Na Escola Básica KM15, na Machava, município da Matola, a Lúcia* era uma rapariga como tantas outras: estudiosa, reservada e sonhadora. Todos os dias ia à escola com o caderno bem apertado contra o peito e esperança no olhar. Vivia com a avó, que sempre dizia: “Estuda, minha filha, só o saber te pode proteger.”
Na escola, no entanto, nem sempre era fácil. Alguns colegas da turma faziam comentários que a deixavam desconfortável. Chamavam-lhe nomes, segredavam entre risos e olhares insistentes. Lúcia tentava ignorar, encolhia os ombros, mudava de lugar. Mas as palavras cortavam mais do que se via por fora.
Num dia em que o professor faltou, um dos rapazes disse-lhe que a diretora a chamava. Lúcia, sem desconfiar, seguiu-o. No caminho, outros dois colegas apareceram e, sem perceber bem como, desviaram-se para uma parte da escola pouco movimentada, junto ao mato. Ali, Lúcia percebeu que algo estava errado. Sentiu-se cercada, confusa, vulnerável.
O que aconteceu naquele lugar deixou marcas profundas. Nada foi dito em voz alta. Lúcia voltou para casa calada. Nos dias seguintes, evitava os colegas, faltava às aulas, perdia-se nos próprios pensamentos. A avó notava a tristeza, mas não sabia a razão. E Lúcia, como tantas outras meninas, carregava um peso invisível — o medo, a vergonha, e a dúvida se alguém acreditaria nela.
Reflexão Final – Vozes Caladas
Lúcia representa muitas meninas que vivem situações de abuso, assédio e humilhação dentro das próprias escolas — espaços que deveriam ser seguros, de aprendizagem e respeito.
Infelizmente, em muitas escolas, ainda reina o silêncio. O silêncio das vítimas. O silêncio dos que veem e fingem não ver. E o silêncio das instituições que deviam proteger.
É preciso falar. É preciso educar. É preciso agir.
Os rapazes devem aprender que respeito não é escolha — é dever.
As meninas devem saber que não estão sozinhas, que têm direito à proteção, à escuta e à justiça.
Histórias como a da Lúcia não podem continuar a repetir-se.
A pergunta não é “Como chegaram até o mato?”,
Mas sim: “Como deixamos que isso acontecesse numa escola?”
*Nome fictício para proteger a identidade.